TRILHA DO SOMMELIER
Módulo 1
Vinificação é como chamamos o processo que transforma uvas em vinho. Uma vez colhidas, as uvas são processadas para que ocorra a fermentação alcóolica – que é quando a ação de leveduras transforma os açúcares da fruta em álcool e voi lá: está pronto o vinho! Só isso? Sim e não, porque há vários detalhes que influirão nesse processo. Apresentar essas nuances e seus reflexos nos vinhos é o objetivo da Trilha do Sommelier. Comecemos do começo.
Da uva ao vinho
O desenvolvimento tecnológio e, consequentemente, do entendimento do processo de vinificação, possibilita aos enólogos atuais explorar cada variável nesse processo – aparentemente tão simples – e produzir uma variedade de vinhos praticamente incontável. Essa, para mim, é uma das maiores belezas desse mundo, que reflete de forma quase poética a interação entre a natureza e a ação do enólogo. Aprender a apreciar cada um desses fatores é para mim o principal objetivo e dom de enófilos e sommeliers. É disso, muito mais que nomes de vinhos e vinhedos famosos, que eu vou falar nesse curso.
Ainda que a cada etapa da vinificação haja uma decisão a ser tomada (ou várias!), não faz sentido nos aprofundarmos em tais detalhes nesse passo inicial da nossa viagem pelo mundo dos vinhos.
Ter em mente essa riqueza de nuances, entretanto, é vital para o entendimento da imensidão de conhecimento acumulado pelos estudiosos do tema e para calibrarmos nossa expectativa com relação a nos tornarmos “experts em 10 minutos”. Talvez nem 10 anos sejam suficientes.
Há, entretanto, macro-etapas básicas e comuns à produção de todos os vinhos e que veremos a seguir. A partir deste alicerce expandiremos nosso entendimento.
Fatores naturais
fatores fixos: local do vinhedo, topografia, solo, clima etc
fatores variáveis: safra, pragas, doenças, geadas/granizo
Ação do homem
– escolha do local do vinhedo, variedade de uva a ser plantada e manejo
– escolhas na vinificação: data da colheita, tipo de vinho a ser produzido, nível de prensagem, tempos e temperaturas de maceração, leveduras, recipientes de vinificação, leveduras, aditivos, processos de limpeza, filtragem e clarificação.
– escolhas no envelhecimento: opção pelo uso de barris de carvalho, qual tipo de carvalho, qual o tamanho, qual o nível de tostagem, outros recipientes de envelhecimento, tempo de envelhecimento
Etapas da produção do vinho
As principais macro-etapas na produção do vinho são brevemente comentadas a seguir. Vale lembrar que este é o primeiro post do curso, e que a ideia é apresentar uma visão geral do processo e ir aprofundando com o tempo. Uma boa lição de casa será ouvir também o podcast #02:
1. Recepção das uvas:
Pode parecer bobagem, mas cuidados nesta etapa são especialmente importantes para os vinhos jovens e frutados pois o contato com oxigênio e calor destróem esses aromas. Para que as uvas não cheguem amassadas/rompidas à bodega alguns produtores tomam cuidados como coletar em caixas pequenas e à noite ou pela manhã, quando as temperaturas são mais frescas.
2. Desengace: (desteam em inglês ou despalillado em espanhol)
É o desmonte dos cachos para retirada dos grãos de uva. É prática comum, já que os taninos verdes nos cabos (engace) podem transmitir aromas e sabores desagradáveis ao vinho, mas não obrigatória. A prática de vinificar cachos inteiros (whole bunch) é especialmente comum na Borgonha.
3. Esmagamento (crush):
É o rompimento das cascas da uva com suave pressão para liberação do mosto flor, mosto lágrima ou vinho de gota – o suco mais nobre. Pode ser feito pela mesma máquina que realiza o desengace ou o produtor pode deixar que esse esmagamento ocorra naturalmente.
4. Prensagem:
Processo que separa o suco de uva (mosto) dos sólidos (cascas e sementes). A intensidade da prensagem é importante porque o suco inicial (mosto flor) é muito diferente do vinho de prensa (em cor, sabores e textura), e o produtor normalmente separa os distintos sucos em frações que podem ser mescladas ao final do processo e
gerar distintos vinhos.
Bônus: tradicionalmente se ensina que é importante controlar a pressão para não romper as sementes pois transmitiriam taninos e óleos amargos ao vinho. Como sempre, há discordância quanto a esse ponto (veja mais aqui) e a Quinta da Figueira, em Santa Catarina chega a bater o mosto no liquidificador sem medo de taninos da semente! Conheça mais sobre esse produtor disruptivo aqui.
A Prensagem é também uma diferença crucial na produção de vinhos brancos e tintos: nos brancos, acontece antes da fermentação e nos tintos depois. Vamos entender melhor essa diferença no próximo tópico deste Módulo.
5. Fermentação alcóolica:
Finalmente, a transformação do suco de uva em vinho! É produzida pela ação das leveduras, que consomem o açúcar do mosto e o transformam em álcool e gás carbônico, também produzindo calor e compostos aromáticos. A estirpe de leveduras que realizará a fermentação é, portanto, crucial. Também de suma importância nas características do produto final é o controle de temperatura, já que o calor naturalmente gerado, se não dissipado, provocará a perda dos aromas mais voláteis. Vamos explorar melhor esses e outros fatores no Capítulo 3, que trata dos processos na vinícola.
6. Fermentação Malolática (FML):
Consiste na transformação do ácido málico, mais agressivo, em ácido lácteo, mais suave. É realizada por bactérias lácteas e adiciona aromas amanteigados ao vinho. Pode ser estimulada ou inibida, dependendo do vinho que se deseja produzir.
7. Envelhecimento:
Esta é mais uma ferramenta à dispoisção do enólogo para acrescentar complexidade ao vinho antes do envase. A principal ideia que vem à mente quando pensamos em envelhecimento de vinhos são os tradicionais barris de carvalho. Por ser poroso ao oxigênio, o carvalho permite a microoxigenação do vinho.
Além do desenvolvimento de aromas oxidativos terciários – como os de amêndoas – durante a passagem por barricas ocorre a transferência de taninos e aromas da madeira para o vinho. A intensidade desses aromas, que incluem especiarias, eucaliptos e defumados, irá depender do número de usos da barrica e de sua composição e manufatura, como a espécie de carvalho e o nível de tosta. Vamos nos aprofundar nessas questões, assim como outros recipientes de envelhecimento, quando falarmos sobre as vinícolas, um pouco mais à frente neste Módulo. Quem já quiser bisbilhotar um pouco no tema pode conferir o podcast SV#31.
Um outro tipo de envelhecimento é sobre as lías ou borras. A técnica de sur lie (sobre as lías) é mais comum em vinhos brancos e muito utilizada em vinhos espumantes. Consiste em permitir que o vinho envelheça um tempo em contato com as leveduras, que morrem ao término da fermentação e se decompõem (autólise) acrescentando aromas de panificação e textura ao vinho.
8. Limpeza e estabilização:
As etapas de limpeza do vinho são uma demanda do mercado, que em sua maior parte espera que suas taças contenham produtos límpidos e brilhantes. Pode incluir o uso de distintas técnicas para extrair as partículas sólidas em suspensão no vinho por sedimentação – ou seja: depoosição no fundo do recipiente (através de trasfegas) – ou por filtração. O processo que utiliza a separação por sedimentação é menos agressivo e por vezes preferido à filtração, mas há produtores que optam por não realizar nenhum dos dois por acreditarem que afetam negativamente o vinho, removendo sua alma
(ou parte dela) juntamente com as partículas.
Por outro lado, os processos de limpeza auxiliam na estabilização do vinho – processo importantíssimo visto que o vinho muda/evolui com o tempo. Esta é a etapa em que os famosos sulfitos entram em ação! Apesar de serem potencialmente utilizados em todo o processo, nesta finalização mesmo alguns “naturebas” optam adicioná-lo. Se ainda não conhece o conceito de vinhos naturais, pode conferir neste podcast, no ABC do Simples Vinho ou aguarda a evolução deste curso.
9. Envase:
Concluída a produção do vinho, chega a parte (não menos importante) do envase. Embora o envase mais tradicional seja a garrafa de vidro, também podemos encontrar (bosn) vinhos em bag in box e até em latas. Cada tipo de envase tem seus prós e contras: o plástico flexivel do bag in box, por exemplo, permite a conservação do vinho por maior tempo após aberto já que se encolhe conforme o vinho vai sendo consumido e minimiza a entrada de oxigênio; já as latinhas permitem refrigeração mais rápida e representam uma menor pegada de carbono comparada ao vidro.
Ambas opções poderiam ser os envases preferidos para os vinhos jovens, que devem ser consumidos rápido e nos quais a preservação dos aromas primários é prioridade, mas ao final, a escolha do envase pelo produtor acaba buscando muito mais corresponder à demanda do mercado consumidor do que se adequar ao estilo de vinho produzido: e as garrafas de vidro ainda têm a preferência da grande maioria dos consumidores. Esta mesma racionalização se aplica à utilização de rolhas – de cortiça ou sintéticas – versus tampas tapa rosca. Saiba mais neste episódio >>.
Conclusão
Essa foi nossa introdução à vinificação. O objetivo deste post é dar uma ideia básica e simplificada sobre o processo e um vislumbre de sua real complexidade, que será explorada ao longo do curso.
Com o tópico de hoje cobrimos 14% do Capítulo Expert em 10 Minutos.
No tópico da próxima semana veremos em que difere a produção de vinhos brancos e tintos. Sabe qual é? Não é a cor da uva! Tintim!
Podcasts Sugeridos:
Olá, bem-vindo à Trilha do Sommelier do Simples Vinho. Eu sou a Fabiana Knolseisen, sommeliére, e vou te ensinar tudo o que você precisa para aproveitar ao máximo essa bebida incrível. Um novo tópico a cada semana e um podcast a cada capítulo concluído. Tintim!
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Parabéns pela iniciativa em criar a trilha do Sommelier Fabiana. Belo trabalho e bem didático. Um abraço, Túlio.
Obrigada pelo feedback, Túlio! Conto com ele pra alinhar cada vez mais meu desejo de compartilhar o que venho aprendendo sobre esse mundo incrível às expectativas de vocês. Um mundo cheio de enófilos será um mundo mais legal!
Olá Fabiana… Xará!
Comecei a estudar para a prova de Sommelièrie pelo seu site. Adorei esta aula sobre vinificação; as bases da vinificação.
Agora vamos para as diferenças nos processos de produção de vinhos tintos e brancos.
Parabéns pelo site!
É isso aí, xará! Muito estudo pela frente. Sorte!