TRILHA DO SOMMELIER
Módulo 1
No tópico de hoje abordaremos as 4 propriedades dos vinhos que são percebidas na etapa gustativa da degustação e que determinam seu equilíbrio: taninos, acidez, doçura e corpo.
Entendendo o vinho para descrevê-lo
Há várias maneiras de descrever um vinho – umas mais poéticas, outras mais objetivas. Todas, invariavelmente se organizam a partir de como percebemos suas qualidades com nossos sentidos e se dividem em 3 fases: visual, aromática e gustativa. O tópico de hoje se concentrará na fase gustativa.
Você pode conferir toda a técnica profissional para avaliação de vinhos neste podcast: SV#03 – Aprecie vinhos como um profissional.
confira o passo a passo de uma degustação técnica neste vídeo >>
Degustação – fase gustativa
É a etapa que descreve as sensações provocadas pelo vinho em boca, tanto sensações de gosto, nas papilas gustativas, como as tácteis: sentidas nas gengivas, língua etc. Essas sensações são agrupadas em 4 pilares: acidez, doçura, taninos e corpo.
Para fins didáticos, gosto de colocar essas 4 propriedades essenciais dos vinhos num gráfico tipo teia de aranha. A noção de equilíbrio ficaria evidente: quando cada um dos pilares tem intensidade equivalente, o vinho está equilibrado e o gráfico tem forma arredondada, sem pontas.
É importante comentar, só para conhecimento, que grande parte dos aromas (cerca de 80%) é, de fato, percebida em boca.
Taninos nos vinhos
Taninos são polímeros (longas cadeias de átomos de carbono; mais precisamente neste caso, são polifenóis) que chegam aos vinhos vindos das cascas e sementes (durante a maceração) e contato com carvalho (quando estagia em barricas ou similares).
Taninos também estão presentes, em forma mais agressiva, nas partes verdes da videira (folhas, cachos etc) e podem passar ao vinho caso essas partes integrem o mosto durante a maceração (mas isso às vezes é desejável! É prática tradicionalmente utilizada nos Pinot Noir de Borgonha).
Sua estrutura química faz com que se combinem com a saliva (proteínas em geral) causando sensação de secura na boca, à qual nos referimos como adstringência.
Taninos também são associados à longevidade nos vinhos tintos (nos brancos, a longevidade está mais associada a acidez e acúcares).
Quantidade e Qualidade dos taninos nos vinhos
Quantidade
A quantidade de taninos no vinho depende das técnicas de extração (macerações mais longas, a temperaturas mais altas, com muitas remontagens e em mosto com maior quantidade de álcool – ou pós-fermentativas – são mais extrativas) mas também dependerão da variedade de uva sendo vinificada (ex.: Cabernet Sauvignon, com grãos menores e casca mais grosa é mais concentrada em taninos que Pinot Noir, de casca mais fina).
Qualidade
A qualidade dos taninos extraídos é de suma importância na determinação da adstringência no vinho: taninos “verdes”, de frutas não completamente maduras ou das partes verdes da planta serão mais adstringentes e agressivos ao paladar. A microoxigenação – tanto forçada quanto causada pelo enevelhecimento em barricas ou em garrafas – tende a suvaizar os taninos.
Acreditava-se que causasse a polimericação das moléculas em cadeias mais longas que seriam menos agressivas, mas essa hipótese é contestada por alguns cinetistas. O mecanismo pelo qual a suavização ocorre ainda não foi totalmente esclarecido.
Taninos são presentes em vinhos tintos, rosés, laranja e brancos barricados. Juntamente com o álcool são responsáveis pela sensação de corpo.
A amplitude térmica no vinhedo, com noites frias e dias calorosos, é essencial na manutençaõ da acidez nas uvas. Vinhos do Vale do São Francisco, no Nordeste brasileiro, não contam com esse refresco noturno. Para contornar o problema, enólogos e agrônomos normalmente optam pela colheita antes da completa maturação na tentativa de preservar acidez. Essa “acidez verde” é nitidamene percebida.
Acidez
Advinda da variedade, terroir e técnicas agrícolas e de vinificação (vide exemplo no box). É responsável pela sensação de frescor nos vinhos, sendo especialmente desejada nos brancos jovens e espumantes – casos em que a fermentação malolática (FM) é normalmente evitada. É ainda importante na longevidade dos vinhos, que são considerados mortos e chatos/sem-graça em casos de acidez insuficiente.
Em boca é percebida por provocar aumento na salivação e minimizar a percepção de doçura.
Doçura
O açúcar nos vinhos é proveniente da uva e normalmente transformado em álcool em sua quase totalidade no caso dos vinhos secos (algum nível de chaptalização – ou adição de açúcar – pode ser permitido em algumas denominações de origem com a finalidade de elevar o teor alcóolico mas não para adoçar o vinho – exceto nos espumantes, como veremos no próximo módulo).
No caso dos vinhos doces, a doçura advém de açúcar residual, não consumido durante a fermentação.
Álcool
Principal produto da fermentação do açúcar das uvas. O teor alcóolico no vinho depende da quantidade de açúcar presente na uva e quanto desse açúcar será trasnformado em álcool durante a fermentação. O teor de açúcar na uva, por sua vez, depende da variedade (tintas tendem a produzir vinhos mais alcóolicos que as brancas; Cabernet Sauvignon tende a ser mais alcóolica de Pinot Noir) e do terroir, incluindo aqui o fator humano (climas quentes geram uvas mais doces; quanto à influência humanda temos: técnicas de raleio, escolha do momento da colheita, técnicas de passificação das uvas, técnicas de vinificação: uso de leveduras resistentes ao álcool).
O nível de álcool e seu grau de integração no vinho são essenciais para o equilíbrio. A percepção do teor alcóolico é fortemente afetado pela temperatura de serviço, tendendo a destacar-se em temperaturas mais altas.
Outros alcoois, além do etanol, estão presentes nos vinhos. Os glicóis tendem a provocar sensação de doçura e a untuosidade responsável pela formação das famosas lágrimas nas paredes das taças. Juntamente com os taninos são responsáveis pela sensação de corpo percebida na boca.
Um bom exemplo para ajudar a entender como a mão do enólogo tem um peso importante no corpo do vinho é comparar um Tannat tradicional e o Tannat de Maceración Carbónica da Pizzorno.
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Corpo
O corpo de um vinho é como chamamos a sensação provocada por ele na boca em termos de “peso” e “volume”. Essa sensação é diretamente proporcional ao teor alcóolico e à presença dos gliceróis e outras substâncias viscosas. Uma forma fácil de entender corpo é pensar na sensação provocada em boca por leites com distintos teores de gordura – desnatado, 100% e creme de leite.
Vale observar: ainda que glicerol puro seja super viscoso, segundo afirmação do Dr. Andrew Waterhouse (Professor de enologia na UC Davis) nessa entrevista (link) a viscosidade nos vinhos advém de outras substâncias (não especificadas) e não do glicerol.
A presença de taninos contribui para a sensação de volume em boca pela aspereza provocada e dá ao vinho sua chamada “estrutura” (pense nos ferros que conformam a estrutura de uma barraca, permitindo que seja coberta com lona e então tenha seu volume preenchido).
Da mesma forma, muito álcool e viscosidade num vinho sem estrutura tânica resultaria numa textura oleosa e amorfa.
Por vezes negligenciada, a temperatura de serviço afeta enormemente a apreciação de vinhos, podendo chegar a desequilibrá-los:
- Temperaturas acima da ideal aumentam a percepção do àlcool e doçura.
- Temperaturas abaixo da ideal aumentam a percepção de taninos, deixando-os mais duros
Confira dicas sobre temperaturas e até taças neste post com dicas para montar sua confraria e treinar técnicas de degustação >>
Variações de corpo nos vinhos – teor alcoólico
O corpo nos vinhos varia de leve a encorpado ou muito corpo. Essa característica é uma das principais a ser considerada em harmonizações, quando o objetivo é equilibrar pratos e bebidas sem que um “pese” mais que o outro.
É possível antecipar o corpo dos vinhos a partir de seu teor alcóolico, o “número mágico” divisor de águas está entre 12,5 e 13,5% de álcool. Esses teriam grande chance de serem vinhos de corpo médio. Abaixo desse valor teríamos vinhos leves e acima, vinhos encorpados.
Variações de corpo nos vinhos – variedade da uva
A variedade da uva pode também indicar o corpo do vinho, conforme ilustrado na figura acima. Note que isso só vale para as vinificações “tradicionais”, em que o enólogo busca o estilo pelo qual a variedade é conhecida. Um exemplo de “corpo surpresa” é o Tannat de Maceración Carbónica produzido pela bodega uruguaia Pizzorno. Conheça mais sobre esse vinho nessa confraria sobre Tannats. Além das técnicas de vinificação, o clima afeta o corpo: vinhos de lugares quentes tendem a ser mais encorpados e alcóolicos. Um bom exemplo para entender a influência do terroir pode ser comparar um Pinot Noir de Mendoza e um da Patagônia.
Olá, bem-vindo à Trilha do Sommelier do Simples Vinho. Eu sou a Fabiana Knolseisen, sommeliére, e vou te ensinar tudo o que você precisa para aproveitar ao máximo essa bebida incrível. Um novo tópico a cada semana e um podcast a cada capítulo concluído. Tintim!
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