SV#04: Vinificando II – Tintos e Vinhos de Guarda

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Esse programa complementa o processo de vinificação iniciado no SV#02. Aqui veremos como são produzidos os vinhos tintos e de guarda. Ao final, sugiro vinhos para provarmos na confraria.

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Olá! Bem-vindos ao SIMPLESVINHO – onde a gente desfruta de toda a complexidade do vinho de forma simples. É quase um bate papo!
E o programa de hoje vai fechar o tema produção de vinho. Eu vou contar como é feito o vinho tinto jovem e o vinho de guarda, branco e tinto. No final, claro, vou sugerir alguns vinhos pra nossa confraria. Bóra.

Recapitulando, a gente viu no SIMPLESVINHO #2 que o vinho é produzido a partir da fermentação alcoólica, em que leveduras transformam o açúcar do suco de uva em etanol. Esse suco é obtido pressionando os cachos de uva inteiros, no caso dos brancos, e só os grãos de uva, no caso dos rosados e tintos, e essa diferença no processo é porque os tintos e rosados ficam macerando mais tempo que os brancos, e que se a gente deixar os cabos e galhos dos cachos junto com o suco durante a maceração, taninos amargos e verdes passarão para o suco da uva e deixarão o vinho com um sabor desagradável. Também por causa dessa transferência de taninos desagradáveis ao suco, a gente viu que quanto mais pressão usar para extrair o suco da uva, menor será a qualidade desse suco e, conseqüentemente, do vinho que vamos obter. Terminada a fermentação, limpa, filtra, engarrafa e está pronto o branco jovem!

Me pediram para contar mais detalhadamente sobre o processo mesmo de fazer o vinho, então aqui vai: a colheita da uva. Você talvez já tenha notado nos rótulos dos vinhos o produtor dizer que as uvas foram colhidas a mão, nas primeiras horas da manha e transportadas até a bodega em pequenas caixas de 20kg. Já se perguntou porque eles falam isso? Isso faz diferença. A colheita manual trata a uva com mais delicadeza. A caixa pequena também. E por que esse carinho todo? Por causa do free run, lembra? O suco de gota. Se as uvas são colocadas em caixas gigantes, as de baixo serão amassadas pelas de cima e aquele líquido sagrado vai se perder. Ou pior: pode começar a fermentar antes mesmo de chegar na bodega, com uma levedura genérica e em condições fora de controle e sabe Deus o que pode sair disso! Ao chegar na bodega, as uvas são colocadas numa esteira onde é feita uma seleção manual dos grãos, para tirar qualquer alien ou uvas verdes. Da esteira, as uvas brancas vão para a prensa, onde é extraído o suco que é então enviado aos tanques de fermentação. As uvas tintas passam por um tipo de rosca que faz o desengaço e daí seguem para os tanques, onde a fermentação e a maceração vão acontecer quase que simultaneamente. Do tanque de fermentação, o vinho branco jovem sai para ser engarrafado, passando antes por processos de limpeza e filtragem. A maceração é mínima ou até deliberadamente evitada (exceção para os vinhos laranja. Anota aí para referencia futura)

A principal diferença entre bancos e tintos, portanto, é a maceração, que a gente já viu, funciona como fazer chá de saquinho em casa: a temperatura favorece a extração das substâncias da casca, assim como o tempo. Mas tem um outro fator que é a gestão do sombreiro ou cap management. Que é tipo uma capa, uma nata, formada com as cascas das uvas, que são empurradas para a superfície pelo gás carbônico liberado na fermentação. E isso diminui a área de contato entre as cascas e o mosto. Como resolve isso? Mexe. Igual na cozinha. Podem ser pás giratórias nos próprios tanques de fermentação, o uso de um bastão para furar o sombreiro e afundar as cascas, que tem o nome francês chiquérrimo de pigeage mas que os caras fazem até com o pé mesmo ou a circulação do mosto: extraem pela parte de baixo do tanque e voltam a encher por cima. Essa agitação causa aeração, que é legal pras leveduras que estão fazendo a fermentação alcoólica mas ela também é legal pras bactérias lácteas produzirem ácido acético – é o vinagre mesmo. Então, de novo, é um balanco delicado…

O tempo da maceração vai depender da qualidade da uva e do estilo de vinho sendo preparado. Se a uva é de qualidade mais baixa, o tempo de maceração vai ser menor para evitar extrair aromas amargos e herbáceos. Nos tintos jovens, que costumam ser mais leves, a maceração dura cerce de 1 semana, ou um pouco mais, e as uvas não precisam ser de qualidade top. Já nos tintos mais intensos, encorpados, feitos para envelhecer, a maceração leva cerca de 3 semanas e as uvas tem que estar bem maduras e saudáveis. Esse tempo pode passar de 1 mês para as colheitas realmente boas e para aqueles vinhos destinados a longa guarda. Esse tempo mais longo de maceração permite que os taninos polimerizem – as moléculas, que são cadeias de carbono, são mais longas e se enroscam, se aglomeram tipo um novelo de lã. Isso é polimerização. Esses taninos polimerizados são mais redondos e amáveis. O enólogo é quem determina a duração da maceração e de forma altamente científica: ele vai experimentando o mosto do tanque diariamente, até achar que está no ponto certo. Só aí é extraído o free run, ou suco de gota, e depois os sucos de pressão.
Se a fermentação ainda não tiver sido concluída, o mosto pode voltar para o tanque até a finalização. E agora está pronto o tinto jovem? Normalmente não, porque é comum que os tintos passem pela fermentação malolática, que é a transformação do ácido málico, que está naturalmente presente nas frutas, em ácido lácteo. Na prática isso significa simplesmente reduzir a acidez e amaciar o sabor do vinho, já que o ácido málico é mais forte e duro, e o ácido lácteo é mais amável, suave e untuoso na boca. Justamente por isso a “malo” é menos comum nos brancos jovens, nos quais a gente prioriza acidez e frescura. Na degustação você pode tentar descobrir se um vinho tem malolatica ou não pelos aromas lácteos, tipo manteiga e iogurte, que essa transformação aporta.

E agora sim temos o primeiro produto de hoje: o vinho tinto jovem. A produção é muito parecida à do branco jovem, apenas com mais tempo de maceração e eventualmente
uma malolática.

E daí partimos para os vinhos de guarda, que passam por um período em tonéis de carvalho. E o preço, você já sabe, começa a subir… E não tem escapatória: não tem um vinho top que não passe por barrica! Daria pra fazer pelo menos uns 3 programas só falando nisso, e provavelmente a gente vai ter mais programas aprofundando este tema, mas para hoje o importante é ter em conta que a passagem pelas barricas além de melhorar sabor e aromas, prolonga a vida dos vinhos.

A melhora no sabor ocorre por 2 razões: a 1a é transferência de sabores e aromas do carvalho para o vinho. Esses aromas dependem do tipo da madeira e do nível do tostado. O destaque é para a baunilha, mas também mel, caramelo, café, chocolate, coco, defumados em geral. Também há transferência de taninos da madeira para o vinho. A segunda razão para a melhoria é micro oxigenação, pelo ar que entra através dos poros da madeira, e que provoca uma aglutinação das substâncias fenólicas. Uma polimerização. Tanto dos taninos – que são os responsáveis pela adstringência, que é aquela sensação de secura na boca, especialmente na língua quanto das antocianinas, que são as responsáveis pela cor. Como resultado, os taninos ficam menos ásperos e a coloração do vinho fica mais estável. A contrapartida é que apaga um pouco os aromas primários, próprios da fruta.

E o fator preço? As barricas de carvalho são caras. Uma barrica americana, que é a mais barata, começa em 360 dólares e passa dos 3 mil dólares para uma francesa, dependendo da qualidade. A barrica é de 225l e rende no máximo teoricamente 300 garrafas, então aí você já tem, só de custo direto, no mínimo 1,20 dólares por garrafa. A mas não dá para usar a barrica mais de uma vez? Sim, dá e de fato se usa. Mas comece a reparar, se é que vc nunca fez isso, no contra rótulo as garrafas. O produtor diz lá: esse vinho elaborado com as melhores uvas colhidas a mão por virgens suecas de olhos azuis blablablá passou 12 meses em barricas de carvalho francês de 1o uso. As vezes diz que é de 1o e ou 2o uso. Mas eu nunca vi ninguém falar em barricas de 3o uso. Aí só dizem barricas. E olha lá! Isso é porque o uso vai tapando os poros da madeira, que então perde a capacidade de proporcionar aquela micro oxigenação que madura e dá estabilidade ao vinho. Ainda existe transferência de sabor e aromas, mas também numa taxa menor.

Uma alternativa mais econômica às barricas são os famosos chips. Já ouviu? São pedacinhos de carvalho, até de barricas velhas, que são mergulhados no vinho. Com isso, o enólogo consegue aumentar a complexidade do vinho, acrescentando os aromas típicos da madeira, sem o custo de barrica nem o investimento de ter que deixar o vinho envelhecendo. É por isso que a gente encontra uns vinhos em que se nota bem a madeira no nariz, mas que são mais baratos. E ok. Eu acho justo. Só não pode mentir na etiqueta e dizer que passou por barrica de 1o uso. O principal cuidado aqui é que esse vinho não está estabilizado pela micro oxigenação, e portanto não agüenta muito tempo de guarda. Uns 5 anos no máximo.

O tempo que vinho passa na garrafa também é chamado de guarda. Em alguns lugares, tipicamente no Velho Mundo, está regulamentado um tempo mínimo de passagem, tanto por madeira como por garrafa, antes que seja lançado no mercado. Na garrafa o vinho vai continuar seu amadurecimento, porque vai descansar e também pela oxigenação muuuito lenta, pelo ar que vai entrando pela rolha, que é porosa. Essa oxidação aporta aromas animais, como a gente já comentou, e também afeta a cor. Repare nos reflexos quando fizer a a avaliação de cor na confraria: as bordas do vinho ficam mais alaranjadas, cor de telha. A oxidação é mais uma camada de complexidade acrescentada ao vinho, mas ela tem um ponto ótimo a partir do qual inicia-se a decadência. E de novo: a tampa de rosca é nossa amiga. Abaixo ao preconceito. Ela sela muito melhor, o que é ideal para os vinhos jovens em que a gente quer evitar a oxidação.

Para finalizar o tema de hoje, eu queria comentar que tem também brancos com passagem por barrica. O exemplo típico são os Chardonnay. Nesse caso, é comum que o mosto seja fermentado no barril, em vez dos tanques. Essa técnica permite que os aromas e sabores da madeira se integrem melhor ao vinho.

Muito bem! Hoje a gente concluiu a teoria sobre vinificação. A gente viu que a principal diferença entre os tintos e os brancos jovens é a fermentação malolática, a maceração e o envelhecimento em barricas de carvalho e em garrafa. E só para você não começar a achar que a vida do enólogo é fácil, eu vou te dizer que esse é o basicão. Ainda tem maceração carbônica, criança sobre lias e uma infinidade de combinações possíveis entre as técnicas para criar aquele vinho perfeito!

Para ilustrar essa teoria, a gente vai, claro, provar uns vinhos! Nas minhas recomendações de hoje eu mantive a mesma linha que eu usei pros brancos jovens: eu escolhi vinhos disponíveis no Pão de Açúcar, não muito caros mas honestos. É uma introdução ao mundo dos vinhos. Aproveita e vai economizando, porque uma coisa é certa: esse é um caminho sem volta.

Eu sinto muitíssimo não poder indicar nenhum vinho brasileiro. Por indisponibilidade no mercado local, mas eu estou tentando solucionar isso com umas visitinhas que vou receber esse mês. A dica então vai para os vizinhos: um carmenere chileno – Ventisquero Reserva por 58 reais e um malbec argentino – o Norton DOC por 52. A ficha técnica do Norton, além de super bem feita, diz que esse vinho é feito com leveduras nativas e barricas de 1o uso, olha que legal! Eu queria que vocês provassem também um pinot noir, mas eu não conheço o do Pão de Açúcar então eu vou recomendar o Leyda Reserva, que não tem lá. Comprem o que vocês acharem e depois a gente compara na confraria. Links pros vinhos no roteiro do programa, no site.

E aí, gostou? Tem sugestões? Dúvidas? Escreve pra mim no contato@simplesvinho.com e me ajude a tornar essa experiencia ainda mais interessante para todo mundo!

A música que nos embalou hoje foi um pedido especial de um crítico: a diva Amy Winehouse com Valerie. Mas o início com a Jane Monhit tem que ter. É trademark já!

        

Você pode acompanhar os novos programas e posts se registrando no site, iTunes ou me seguindo no Facebook e Twiter. Eu sou a Fabiana Knolseisen e vou ficando por aqui com o SIMPLESVINHO. Espero voces na Confraria! Tintim!

Fotos: Esteira de uvas – Martin Ray Winery; Pigeage – Creation Wines

Veja os vinhos sugeridos para a próxima Confraria:

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