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Pro episódio de hoje eu resolvi falar de um tema tragicômico: fofocas e fraudes no mundo do vinho.
A gente vai falar dos 2 maiores casos de fraude do século passado, que são histórias fascinantes e envolvem diretamente os multi mega ultra ricos e também vai usar as fraudes para visitar a história do vinho sob uma ótica diferente.
As fraudes nos vinhos acontecem desde os tempos do império romano. Ao longo da história algumas foram necessárias, outras criaram novos estilos de vinhos, outras foram mortais – para gente e para regiões produtoras… E pra quem não acredita tem até falsificação de vinho barato sim senhor!
Vinho falsificado – desde sempre
No livro A HISTÓRIA DO VINHO EM 100 GARRAFAS, que eu disponibilizo em formato podcast pros padrinhos e madrinhas do Simples Vinho – e por falar nisso, se vc ainda não apadrinhou o podcast e curte o conteúdo, vai la em simplesvinho.com/apoie. Além do livro tem episódios especiais, promoções especiais e um grupo no whatsapp exclusivo.
Mas bem, no livro o Oz Clark especula que o vinho vem sendo forjado desde o momento em que passou a ser comercializado. Persas, gregos e romanos – todos eles se empenharam nesse negócio. Segundo a Jancis Robinson no livro Oxford Companion to Wine, Plínio, o Velho, teria se queixado da abundância de vinho romano fraudulento, que era tão grande que nem mesmo a nobreza podia ter certeza de que o vinho que eles bebiam era genoíno. Para os pobres e a classe média de Roma, os estabelecimentos de bares locais pareciam ter uma oferta ilimitada do prestigiado vinho falerniano por preços anormalmente baixos.
Adulterações necessárias
Os romanos estavam adicionando gesso, pó de mármore e chumbo e Deus sabe o quê mais nos vinhos. Imagina-se que nem toda essa maquiagem no vinho era motivada por grana. Nessa época era provavelmente pela necessidade mesmo porque o vinho era basicamente suco de uva fermentado – sem higiene, com leveduras nativas, sem sulfito, sem garrafa pra guardar… enfim: muito possivelmente um vinagre dos ruins! Então se adicionava ervas e sabe-se lá o que mais pra mascarar mesmo. Só não punham açúcar porque nessa época não tinha.
Mas dessa necessidade, dessas adulterações necessárias, acabariam surgindo os vinhos fortificados, muito apreciados no século 15. Vinho do Porto, Madeira, Marsala – todos ganharam álcool adicional para sobreviver à viagem marítima.
Outra adulteração que pode ser ruim ou boa é a adição de água. Atualmente, com aquecimento global, as uvas tem facilidade pra acumular açucar e concentrar sabores e álcool e, em alguns casos, pode ser permitida a adição de água. Os produtores no Napa, na California, têm até um nome pra isso: Jesus units – unidades de Jesus – em alusão à transformação de água em vinho. Isso foi dito pelo proprietário de uma propriedade no Napa reconhecida pelo seu elegante Cabernet, segundo o The New York Times Magazine.
Aqui no Brasil não é permitida a adição de água – e até ontem nem precisava também. Onde eu sei que é permitida mas não sei detalhes é na Austrália e na Argentina – além da California. A Universidade de Davis tem até um manual pra essa hidratação do vinho. E claro que também pode ser usado água só pra diluir e fazer render – no estilo bota mais água no feijão.
Vinho adulterado e amado
No livro [A História do Vinho em 100 Garrafas], no capitulo sobre o vinho Madeira, Oz Clark conta sobre um tal de RWM, que era uma especialidade dos comerciantes de Savannah, nos EUA – os maiores conhecedores de vinho Madeira no mundo. Eles tinham degustadores especializados em degustar as cegas e estimar quanto o vinho tinha viajado antes de chegar lá – super intessante.
Mas bem, esse RWM era um Madeira pálido e delicado chamado Rainwater – água de chuva, em ingles. Que era um sucesso. Supostamente, alguns barris de Verdelho foram deixados numa praia da Madeira em barris abertos enquanto aguardavam embarque. Pernoitaram lá. E choveu. Deu aquela diluida basica no vinho mas o pessoal adorou. As massas enlouqueceram com esse Madeira que era “macio como a água da chuva”. O capitão do navio que comercializava esse vinho adorou mais ainda, óbvio. Mesmo que não chovesse, a criatividade humana encontrava outras formas de providenciar o do RWM – rainwater Madeira.
Quando a fraude no vinho mata
Na história recente temos 2 escândalos de adulterações em vinhos com consequências bem mais pesadas.
Dietileno glicol na Áustria
Tem o caso do dietileno glicol nos vinhos austríacos, que eu comentei no episódio sobre vinhos da Alemanha. Foi em 1985, super recente. Pessoal na áustria teve a brilhante ideia de adicionar dietileno glicol, que é uma substância usada com finalidades anticongelantes e é bem tóxica, como a gente viu recentemente naquele caso da cerveja contaminada em Minas. No caso do vinho a finalidade foi adoçar e encorpar e ninguém morreu pois a qtde usada foi bem pequena.
Acredita-se que o grande volume de vinho adulterado era vinho barato, desses que é vendido a granel e foi assim que o dietileno glicol foi parar na Alemanha – numa falcatrua dupla, pois importaram vinho austriaco pra engarrafar como se fosse alemão. Mas, enganou gente graúda também. O TNYT relata que numa feira de vinhos de Ljubljana, Yugoslavia – que era uma feira referência pro setor, um beerenauslese da Hans Sautner of Gols entupido de dietileno glicol ganhou medalha de ouro. Glicol foi eleita a palavra do ano na Alemanha em 1985.
Metanol no vinho italiano
Menos sorte teve quem bebeu vinho italiano contaminado com metanol no ano seguinte: 1986. Vcs vem que esses casos são contemporâneos, de uma época que teve um boom de consumo e o pessoal tava esticando o vinho. Devem ter diluido com agua também, mas ninguém pegou. Esse do metanol foi pra aumentar o teor alcoólico e foi no Piemonte. 22 pessoas morreram e outras tantas tiveram sequelas graves.
Fraudes em vinhos famosos
Finalmente vamos falar dos vinhos falsificados. Há vários casos vindos da Itália. Em 2014 teve outra apreensão de mais de 30k garrafas de vinhos principalmente Chiantis e Brunellos – entre eles os vinhos do cantor Andrea Bocceli.
Em 2020 a polícia identificou uma quadrilha que produziu milhares de garrafas do Sassicaia 2015. O vinho era um baratex vindo da Sicilia, mas as garrafas e as etiquetas pareciam as originais. O Sassicaia 2015 foi considerado o melhor vinho do mundo pela Wine Spectator, e na época era vendido entre 1800 a 2400 euros. O “Sassicaia da Sicilia” custava 500 euros. 70% menos. E o povo tava comprando feliz da vida: russos, chineses e coreanos principalmente. https://edition.cnn.com/2020/10/15/europe/italy-wine-fakes-intl-scli/index.html
Em 2015 um ricaço chamado Willian Coch – guarda esse nome – conseguiu ser reembolsado pela compra de vinhos falsos em leilão e ainda ganhou compensação por danos. O processo todo levou quase 1 década e quem foi processado, no caso, foi o vendedor dos vinhos – também colecionador, mas parece que malandro, pois sabia que os vinhos eram falsos.
Foram 24 garrafas de vinho falsificado no total, dentre as quais 1864 Château Latour to a magnum of Château Pétrus 1921 and several magnums of 20th century icons such as 1921 Cheval-Blanc, 1928 Pétrus and 1949 Lafleur. A condeação final foi de $1.15m, including $711,622 punitive damages.
Bill Coch também comprou vinho do famoso Rudy Kurniawan, que é o caso recente mais midiático de fraude e que eu imagino que a maioria dos enófilos conheça.
O DV Catena vendido no Whatsapp é falso?
Eis o vídeo que comentei no podcast, comparando o vinho comprado “do contatinho do Whatsapp” e (aparentemente) o mesmo vinho comprado através da importadora.
Note que o vinho não é exatamente o mesmo: parecem ser versões para mercado local x exportação. De toda forma, evidencia que o vinho comprado localmente (na Argentina) pode ser muito diferente do importado.
Rudy Kurniawan – a enofraude do século
BBC Witness History – The Great Wine Fraud
Documentário: The Greatest Wine Forger- Rudy Kurniawan
O vinho mais caro do mundo era uma fraude
Os famosos vinhos de Thomas Jefferson que não eram de Thomas Jefferson.
Artigo de Patrick Keef: The Jefferson Bottles
Podcast sobre a solução do caso: How Atomic Particles Helped Solve A Wine Fraud Mystery
Livros:
O vinagre do Bilionário: o mistério da garrafa de vinho mais caro do mundo
In Vino Duplicitas: The Rise and Fall of a Wine Forger Extraordinaire