SV#130: Priorat

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© Arduino Vannucchi | desde a esquerda: Alvaro Palacios, José Luis Pérez, Daphne Glorian e René Barbier – o bando de hippies que reinventou o Priorat

Priorat – ou Priorato. É uma DOCa Espanhola – uma das 2 únicas. Apenas 2 mil ha de vinhedo e um desconcertante clima quase continental, apesar dos meros 50 km de distancia do mar mediterraneo.

Os vinhos daqui não tem a famosa Temparanillo (ou tem muito pouco) e estão entre os mais caros da Espanha e do mundo.

Esse lugar, atualmente badaladíssimo passou por perrengue brabo e quase se extinguiu: de uva e de gente. Foi resgatado – ou reinventado – no final dos anos 1980 por um bando de hippies e essa é uma das histórias que eu vou contar hoje. Tintim!

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LAS CRESTES PRIORAT DOQ 2019

Material de apoio

Filme citado no episódio (sobre o escândalo da Enrom): The smartest guys in the room >>

Filme não citado no episódio mas que pode valer a pena assistir: Dreaming of Wine

Material do Consejo Regulador de la DOCa Priorato – dossie de prensa

A história real do Priorat >>

How Eric met Daphne >>

El milagro del Priorat >>

Ouça também

Confira também os 2 vinhos do Alfredo Arribas (e outros vinhos de outros produtores e regiões) que provamos na Confraria Espanha-Porto-charuto >>

Saiba mais sobre os Vingadores de Carigñan e a história da filoxera neste episódio sobre o Chile >>

Ver roteiro completo

O texto a seguir é o roteiro utilizado na produção do podcast e não foi pensado para ser lido. Perdoem a linguaguem coloquial e eventuais erros ortográficos.

Priorat – da glória ao fundo do poço e de volta à glória

Na região da Catalunia, mais precisamente na província de Tarragona, na cuenca do rio Siurana, encrustada no montanha de Monsant, fica esse tiquinho de terra – que tá mais pra pirambeira – chamada Priorato e que, juntamento com Rioja, são as 2 únicas DOCas da Espanha. DOCa é …, o topo da piramide de qualidade dos vinhos como a gente já viu na França e na Itália.

Uma região peculiar

E, em tratando-se da Catalunia, que se entende uma nação independente da Espanha – vcs devem se lembrar das controvérsias recentes sobre a independência da Catalunia. 2017 foi o último evento. o Carlos Pui de Monte se declarou presidente da Catalunia. No estilo bem: falei e saí correndo. Fugiu pra Alemanha.

Em sendo a Catalunia, eles têm essa língua prórpria – o catalão – da qual eles muito se orgulham e fazem questão de usar nos rótulos. Então vc também vai ver a região sendo chamada Priorat, com t mudo e a qualificação como sendo DOQ, em vez da forma castelhana DOCa.
Curiosidade: eles se autodeclararam DOQ. Bem em linha com essa coisa de ser uma nação independente e pouco controversa. A região tornou-se oficialmente uma Denominacion d’Origen espanhola em 1954. E em 2000 o governo regional catalão determinou que a região era DOQ. Mas foi só em 2009, 9 anos depois, que as autoridades espanholas reconheceram a região como DOCa.

A região é conhecida por seus vinhos tintos poderosos, De garnacha, normalmente. Com pitadas de cariñena. Os vinhos são caríssimos. Um misto de terroir e marketing, claro com um dedinho de Robert Parker na história.

Mas não foi sempre assim. Muito pelo contrário. A região teve seus altos e baixos – daqueles baixos beeeeem baixos mesmo – e foi reinventada por um bando de hippies, como o pessoal gosta de chamar, romanticamente, os responsáveis por essa reinvenção da região agora, recentemente, nos anos 1980. A história é romântica mesmo e eu vou contar aqui, mas vamos começar do começo.

A verdadeira história do Priorat

A lenda que todos amam contar

Diz a lenda que foram os monges cartuxos da Provença que introduziram o cultivo da vinha na região, no século XII.
Após a retomada a região dos árabes, o Rei Afonso I, o Casto, enviou dois cavaleiros para percorrer o país e localizar um lugar ideal para que a ordem cartuxa, vinda da Provença, se estabelecesse. Assim que chegaram ao sopé de Montsant, a beleza singular do lugar chamou sua atenção e perguntaram a um pastor sobre o enclave. O pastor contou sobre os vales e também sobre um evento sobrenatural que acontecia por ali: no pinheiro mais alto havia uma escada por onde os anjos subiam e desciam do céu.
E assim o lugar foi escolhido para o estabelecimento da ordem cartuxa, que fundaram ali o monasterio chamado Santa Maria de Scala Dei em 1194. Scala Dei siginifica escada de deus.

Priorat di Scala Dei

Bem no lugar da tal árvore de onde sai a escada de deus, eles construiram um templo dedicado a Santa Maria. Os monges introduziram o cultivo de vinhas na zona, e o convento de Scala Dei prosperou e acabou por dar o nome ao atual Priorato, uma das zonas com mais personalidade da Catalunha.
Essa descrição é do Consejo Regulador del Priorat, e provavelmente seja por isso que tanta gente diga por aí que foram os monjes que trouxeram a viticultura pra região, mas… parece que essa mais uma daquelas histórias pra boi dormir do mundo do vinho. História pra vender vinho.

Vinhedos anteriores aos monges

A antropóloga e museóloga Anna Figueras contesta esta história. Ela conta que, pra começar ela alega que nos prórpios documentos onde que foram acordados os limites da propriedade do mosteiro, que foi estabelecido, lembremos, em 1194, estão descritas algumas vinhas. Plantações também são citadas nos gráficos populacionais de Ulldemolins em 1166 e Cabasses em 1185. Portanto, tudo indica que havia vinhas por ali desde pelo menos a época muçulmana e antes da chegada dos cartuxos.

A Anna também afirma que a produção de uvas no Priorat só passaria a ter importância no final do século 16 e mesmo assim, por razões “pouco glamourosas”. Um dos argumentos dela é que na primeira edição de Geografia moderna, de Pere Gil (1551-1662). O autor dá uma descrição bastante detalhada da economia na Catalunha. Fala sobre as principais produções e analisa as principais áreas vitivinícolas, e Priorat não aparece. Gil apenas menciona a região para elogiar os figos secos e o mel. Esse autor faleceu em 1662.

A primeira época de ouro do Priorat

Tá. Mas e as tais razões pouco glamorosas que impulsionaram a produção de vinho no Priorato? Aguardente. cachaça. Ou brandy, que é mais chique.

Reus foi a capital do brandy do sul da Europa nos famosos tempos do  “Reus, Paris e Londres” em que estas três cidades determinavam o preço internacional da aguardente. A Holanda, na época a maior potência mundial, tinha o conhaque como sua principal bebida e precisava abastecer a grande frota e a incipiente classe trabalhadora. Algumas disputas com o governo francês fizeram de Reus, junto com Salou como porto natural, seu principal fornecedor. Os comerciantes precisavam de matéria-prima para se transformar em álcool. Eles logo perceberam que com o vinho Priorat estavam extraindo um conhaque de qualidade muito maior do que com o vinho de outras áreas. A demanda e os preços subiram e, Pouco a pouco, os cereais e outras culturas foram substituídos pelas vinhas e novas terras foram conquistadas das florestas.

Esta vantagem econômica, graças à superioridade dos vinhos, trouxe propseridade à região até o século XIX, apesar dos conflitos sociais e políticos das primeiras décadas do século e da supressão da comunidade cartuxa, que teve suas propriedades confiscadas. A riqueza do território foi aumentando, especialmente depois de 1840, quando começou o período social e político mais estável.

A filoxera trazendo properidade !

A glória dos vinhos do Priorato veio adivinha por causa de quem… Filoxera. Essa praga que apareceu na França em 1868, importada clandestinamente dos EUA numa muda de vitis americana – que é resistente à praga –  e devastou os vinhedos na Europa toda demorou pra chegar no Priorato, e enquanto não chegou eles nadaram de braçada. Na verdade não só o Priorato mas a Catalunia inteira. Esse período é chamado febre do ouro da vitivinicultura catalã.

No Priorato, não sobrou praticamente uma área de floresta nativa. Tudo foi tomado por vinhedos. E os vinhos eram aparentemente muito bons. Na Exposição Nacional de Vinhos de Madri, em 1877 Cerca de quarenta e dois expositores participaram das cidades que na época eram consideradas Priorat d’Escaladei. Os vinhos receberam um total de 168 menções e todos os comentadores concordaram em elogiar a natureza excecional dos vinhos Priorat. Tinto, bastante álcool, bastante tanino… imagina o sucesso na época. Apesar disso, todos os produtores ainda vendiam seus vinhos a granel pros comerciantes de Reus e Tarragona mas mesmo eles vendiam a granel – quase tudo pra França. Era muito tímida qtde de vinho engarrafada na Espanha.

O declínio

E essa históia também agente já viu em várias partes. Manipulação e adulteração dos vinhos – se já eram tão concentrados, um tiquinho de água pra aumentar o volume não ia fazer mal nenhum, né? e ainda tinhas as cópias e falsificações, e produtores de outras regiões ali próximas mas muito menos desafiadoras que o Priorato – e guardem essa informação pq a gente vai falar dela daqui a pouco: condições desafiadoras de produção que requerem muito esforço e trabalham e portanto custam dinheiro pros produtores do Priorato – e o pessoal da redondeza que produzia com muito mais facilidade vendia os vinhos como se fosse do Priorato, com uma margem muito maior. Isso acontecia no mundo todo, com várias regiões produtoras e é a gênese dos órgãos reguladores e das denominações de origem controlada.

Mas bem, esse período de bonança no Priorat levou uma invertida brusca em 1887. A França, que era a principal consumidora dos vinhos da região começava a recuperar a produção própria e aproveitou a desculpa das adulterações dos vinhos do Priorat pra proibir as importações. Além disso, a legislação tributária passou a castigar muito mais fortemente os vinhos de alta graduaão alcoolica, , como era o caso dos do Priorat. É neste contexto desfarovavel, com os lagares cheios de vinho, fruto de cinco anos de vendas fracas, a filoxera finalmente chega ao Priorat em 1893.

Uma reflexão necessária

E nesse ponto a Anna Figueras faz outra reflexão que contraria a maioria das histórias romanticas que a gente ouve, de que a filoxera foi a causa da ruína do Priorato. Nas palavras dela: “Neste ponto, é necessário fazer uma reflexão histórica. A uma dramática crise econômica somou-se uma catástrofe ecológica. Apesar de o factor mais visual e que ficou na memória popular tenha sido a morte das vinhas, atribuir apenas a filoxera a ulpa pelo declínio de uma adega ou de um território, como lemos em inúmeras histórias vitivinícolas, é pecar por imprecisão histórica. O que arruinou o setor ao longo do século XX foi a falta de previsão e investimento quando a situação era favorável, a apatia de não apostar na qualidade, a permissividade à fraude, a ineficiência do governo e a instabilidade social, entre outros.” Soa familiar isso? Essa história se repete em vários lugares e campos da vida.

O nascimento da DOC Priorat

Mas o pessoal do Priorat não tinha desistido. Não ainda. E a primeira providência seria proteger os vinhos produzidos na região e assim, não apenas evitar a adulteração dos produtos como também diferenciar os vinhos locais, que eram tão difíceis de produzir, de outros vinhos de outras regiões que eram mais amigáveis, digamos. E esse lance da dificuldade da produção?

A necessidade de proteção da origem dos vinhos

A região, como eu falei no início, fica nas encostas do Monsant. E por “encostas” entenda-se pirambeira doida mesmo. A uma produtora moderna, quando perguntaram pra ela como ela cuidava das vinhas naquele precipício – e ainda por cima é quase tudo plantado em arbolito, que é aquele formato livre, sem condução – e tudo bem baixinho, quase rente ao chão. Sabe como ela faz? Técnica da aranha, ela chama: ela senta no chão, e vai engatinhando de costas, de parreira em parreira – isso pra podar, pra colher, pra estudar como as frutas estão evoluindo… é um trampo animal. Impossível de mecanizar ou até de passar arado puxado por animais.

Rendimento baixíssimo

Além disso, o solo é pobre – o que ótimo pra produzir vinho de qualidade, mas é ótimo justamente pq reduz a produtividade. A gente tá falando aqui de uma produção média de 5ton/ha. Pra dar uma ideia, na Rioja a produção pode chegar a 25 ton/ha. 5 vezes mais. Só. Outra dificuldade, que também restringe a produtividade, é o estresse hídrico. Quase não chove. E o solo é muito profundo, o que quer dizer que a água disponível tá la no fundo, e só as videiras com raizes mais longas conseguem acessar essa água. Pra ter raíz mais longa ela precisa ter crescido por mais tempo, o que quer dizer que a videira tem que ser mais velha – e videira mais velha produz menos. Produz melhor, mas menos.

Essas dificuldades fazem com que os vinhos locais sejam naturalmente mais caros – por isso eles precisavam se diferenciar e proteger os vinhos produzidos ali com uma denominação de origem controlada. Ai tem mais desgraças em cadeia na hist´roia: os 7povoados que compunham o original Priorat Scala Dei se organizaram pra produzir uma regulamentação. Em 1933 – já quase ontem isso, veja bem – em 1933 foi constituído o consejo regulador.

Aí começou a politicagem – pq, claro, todo mundo queria estar dentro da área delimitada. As discussões se arrastaram por anos e foram totalmente interrompidas quando irrompeu a guerra civil espanhola, em 1936. Foi só em 1954 que as discussões foram retomadas, mas… já era tarde demais. A região estava em extinção. Dos cerca de 6mil ha de fincas da época de ouro, no final do século 18, restavam só uns 800. Parte dsso, completamente abandonada.

Mas eis que… entra em cena o bando de hippies que eu falei no começo.

O bando de hippies que reinventou o Priorat

Tudo começa com Rene Barbieri. Catalão de origem francesa, com quatro gerações no negócio do vinho no DNA. René cresceu entre os vinhedos, mas a família Barbier havia perdido seu império vinícola franco-espanhol; seu castelo provençal , milhares de vinhedos e até seu nome (René Barbier), entre as desventuras da Segunda Guerra Mundial e as garras de José María Ruiz-Mateos (esse caso do Ruiz Mateos e da empresa que ele criou, a Rumasa nos anos 1970 são um marco – negativo – na economia espanhola – mais ou menos, no sentido de catastrófico pra quem investiu, como foi o caso do Eik Batista e as empresas x aqui no Brasil. Ma pior: essa Rumasa comprava empresas e pagava com açoes da propria Rumasa. E ninguem auditava as contas – quando foram auditar, ferrou!

Rene Barbieri, o hippie visionário

A familia Barbier quebrou nesse esquema da Rumasa. Ele tinha 27 anos. Ele começou a vender roupas, levou grupos de turisas para pescar em Tarragona e sua esposa, Isabelle Meyer, deu aulas de dança para completar o orçamento. “No final dos anos 1970 comecei a trabalhar pra adega Palacios Remondo de Rioja. E foi assim que ele conheceu e ficou amigo de Álvaro Palacios – o sinhozinho. O filho do patrão. O Álvaro tava mais pra playboy que pra hippie – mas talvez por rebeldia de filho rico, ele topou quando o Rene propos pra eles começarem a fazer vinho no Priorato.

O Rene era da região, conhecia o lugar e apostava no potencial. As vinhas velhas já estavam por lá. Eles poderiam começar a fazer grandes vinhos imediatamente. E assim foi. Nesse lugar em que eles levavam três horas para percorrer os 50 quilômetros até a capital Tarragona por estradas inacessíveis; onde muitos vinhados tinham sido arrancados na década de oitenta, os casarões ficaram em ruínas e as escolas foram fechadas – que eles se instalaram. Naqueles anos, o censo de habitantes era um terço do que tinha sido no início do século; Apenas quatro empresas engarrafaram. Priorato era sinónimo de vinho grosseiro, preto e intragável.

A ideia de Barbier tinha muito a ver com uma comuna: um grupo de amigos comprando pequenas propriedades quase abandonadas em um lugar cheio de tradição que havia perdido o trem da história; cultivar a terra de forma artesanal; recuperação e revitalização do território; trabalhando como no final do século XIX com mulas e sem química, e depois engarrafando o vinho de todos em uma única adega com o objetivo de vendê-lo a um preço alto fora da Espanha. Cada garrafa valeria 1.500 pesetas, 10 vezes o que custaria uma Rioja média.

Uma visão de comuna hippie que mostrou ultra chic

Em torno dessa filosofia, Barbier iria recrutar no final dos anos 80 um grupo de personagens variados para empreender o projeto. Esse núcleo duro da comuna era constituído, além de René e Álvaro (que criariam os Clos Mogador e Clos Dofí reds), pelo fazendeiro Carles Pastrana (Clos de l’Obac), o biólogo e o pedagogo José Luis Pérez (Clos Martinet) e a marchand a Daphne Glorian (Clos Erasmus).

A Daphne, é a melhor história. Pra mim, ela é a única verdadeiramente hippie dessa turma.
Ela conheceu o René e Álvaro nos Estados Unidos em maio de 1988. Ele ganhava a vida negociando com grandes marcas de vinho enquanto economizava para se estabelecer nas montanhas do Peru. Eles a encorajaram a acompanhá-los na aventura do Priorat. Ela topou. “O que me me motiva é me divertir e aproveitar a vida, e o plano parecia ótimo” ela conta. “No entanto, quando cheguei lá, em novembro de 1988, chovendo, muito frio, estradas lamacentas… pensei: ‘Onde fui me meter?’ Para comprar meu terreno tive que vender o carro. E para ir chegar até ele eu e Álvaro fomos de mula. Foi louco”.

Nos 3 primeiros anos eles fizeram um único vinho mas engarrafaram cada um com seu prórpio rótulo, como se fossem vinhos diferentes. Clos Mogador (Barbier), Clos Dofi (Palácios, mais tarde renomeado para Finca Dofi), Clos Erasmus, Clos Martinet e Clos de l’Obac. A partir de  1992 esses vinhos passaram a ser diferentes de fato, mas as safras 1989, 90 e 91 – é tudo o mesmo vinho comunal. “Os críticos diziam que preferiam uns a outros”, lembra Barbier, “mas eram tudo a mesma coisa”.Eles vinificaram numa propriedade em Gratallops. que é 1 dos 12 povoados que compõe o Priorato e todos eles ficam meio ali por perto.  Gratallops significa “agrada os lobos” em catalão – e isso descrevia bem o lugar em 1989  “Não havia crianças na rua, apenas velhos”, lembra José Luis Pérez. Ou como diz Daphne Glorian: “Foi como pousar na lua”.

Robert Parker passou por aqui

Na safra de 1994 o Clos erasmums da Daphne iria chamar a atenção de quem? Do nosso crítico preferido, sir Robert Parker. O vinho recebeu inéditos 99 pontos – algo nunca antes visto para um espanhol. Aí nas safras 2004 e 2005 os vinhos dela conseguiriam a pontuação máxima: 100 pontos RP. Em 1993, Palacios produziu um vinho chamado L’Ermita proveniente de vinhas muito antigas de seu vinhedo mais ingreme e rochoso, o que levou a um aumento do interesse em usar as vinhas existentes na região para produzir vinhos em um novo estilo.

Pra dar ideia de preços, o Clos erasmus mais baratin que eu achei foi o 2016, por 165 dólaresnos EUA; o Laurel, que é o 2o rótulo da Daphne já é bem mais encarável: safra 2018 achei por 40 euros na Alemanha. Já o LErmita, do Palacios, achei um 1998 por 400 dolares. Peguei um 2016, pra comparar com o clos erasmus, e achei pela pechincha de 1.061 dolares com 45 centavos.

A Jancis Robinson perguntou pra Daphne como ela se sentia em relação aos preços estratosféricos do vinho de Álvaro Palacios; não parece muito alinhado com essa história de comuna hiponga . ‘Álvaro tem muito foco no marketing’, ela respondeu, ‘e queria fazer barulho. E como fez! Acho legal comentar que além de engajar chamado núcleo duro que deu início ao renascimento do priorato com essa história super romantica, eles também trabalharam a mentalidade dos produtores que ainda resistiam por lá na época.

Mais que o simples foco comercial

Alvaro e Rene contam que quando chegaram por lá foram tomados por loucos, intrusos, charlatães. Os 2.400 habitantes da Denominação de Origem Priorat (que reúne nove cidades e metade de outras duas, e tem uma área de 17 quilômetros quadrados) duvidaram. Poucos acreditavam que nesta região se pudesse ganhar dinheiro com o vinho. E menos ainda alcançar fama e prestígio com isso.

Os produtores estavam num dilema, conta um deles “tínhamos dois caminhos: juntar todas as uvas que produziamos em uma única cooperativa para economizar custos e sobreviver, misturando o bom e o ruim , ou, optar pelo modelo que estava propondo aquele grupo que veio do estrangeiro: fazer pequenas tiragens de vinhos muito caros. Durante cinco anos houve muitas dúvidas. As coisas começarama mudar quando os produtores que costumavam vender suas uvas aos atacadistas por 20 centavos de dólar por quilo, perceberam que podiam vender a quatro euros se cultivassem organicamente.

Outros produtores que vale conferir

Foi um compromisso com a agricultura de precisão versus agricultura de volume. Uma visão diferente do futuro. E deu certo. Depois vieram pessoas de fora para fazer vinho, como o cantor e compositor Lluís Llach, o arquiteto Alfredo Arribas ou a família Ferrer-Salat, e vinícolas como a Scala Dei, com Ricard Rofes, reviveram.

Em 1989 havia quatro vinícolas em Priorat; Hoje, mais de cem. Todos os anos, três milhões de garrafas são lançadas no mercado e têm enorme reconhecimento internacional. Só pra constar, a gente provou 2 vinhos do Alfredo Arribas numa das confrarias Simples Vinho já. E tá tudo contado no episódio 67 https://www.simplesvinho.com/sv67-confraria-espanha-porto-e-charuto/
Rolou uma bolha também, com muita gente sendo atraída pela possibilidade de produzir e vender vinhos que alcançam preços exorbitantes. Os menos competentes – ou mais azarados talvez – já ficaram pelo caminho. 
Alguns outros produtores destacados pelo MICHAEL SCHACHNER da Wine Enthusiast são Vall Llach, Mas d’en Gil, Clos Figueras and Joan Simó, dentre os  produtores e alguns vinhos destacados de produtores mais jovens na área: Ferer Bobet, um Garnacha Blanca grape by La Conreira d’Scala Dei; and Terroir Al Límit’s Burgundian-styled red and white wines made by the South African-German team of Eben Sadie and Dominik Huber.

Bom, a gente ainda não falou do famoso solo da região, das principais uvas e do estilo dos vinhos. Etem também uma história da Daphne que eu quero contar.

O famoso solo Licorella e o terroir especial do Priorat

Solo. Isso é pergunta de prova do WSET 3, hein. A região é famosa pelo solo de licorella. é um tipo de ardosia avermelhada com particulas de mica que brilham no sol. Esse solo de licorella é todo pedregoso. Umas pedras laminadas, que quebram com facilidade. Esse solo tem ótima drenagem e retém calor. Essa licorella seria a responsável pela mineralidade marcante nos vinhos da região. Segundo o pessoal da Decanter magazine, não dá pra nomear uma linha ou estilo caracteristico dos vinhos da regiaõ, mas a tal da mineralidade é presença constante, assim como concentração tânica e alcoolica. 14,5% de álcool aqui é básico.

O clima desconcertante

O clima é surpreendenemente continental, considerando a proximidade do marditerraneo, que está a apenas 30 a 50km. O calor, quando faz calor, é cruel, e é consideral cruel pra padrões espanhois – o que não é pouca coisa. 

Se vc olhar pra um mapa de solos, vai ficar besta com a variedade, eles dizem. Além disso tem a vertiginosa variação nas inclinações das encostas: de 5 a 95% de inclinação, o índice de chuvas, que varia de 450mm a 750mm através da região. A altitude, entre 100 e 700m acima do nivel do mar.
Nada é linear nesse lugar. Mas vamos tentar dar uma generalizada.

O DOQ compreende os vales dos rios Siurana e Montsant. As vinhas são plantadas nas encostas – originalmente em terraços, mas aualmente também na pirambeira mesmo. As altitudes variam de 100 m e os 700 m acima do nível do mar. A DOQ Priorat é quase inteiramente cercada pela DO Montsant, que produz vinho em estilo semelhante.

A área demarcada tem cerca de 20 mil ha. Segundo dados de 2018 do Consejo Regulador eram apenas 2.010 ha de vinhas, cultivadas por 535 vinicultores e 109 bodegas.

As uvas autóctones

A uva estrela do lugar é a Garnacha tinta, que em 2018 correspondiam a 41% da área plantada. É a mesma Grenache do Rhone, que é a esrtela também em Chatenauf du Pape. Essas são as 2 únicas apelações baseadas em grenache (lembrando que chatenauf du pape pode misturar ums 15 variedades de uvas!).

Garnacha, Grenache, Garnatxa

A Grenache produz vinhos suculentos, gordos, com alto álcool e baixa acidez – e é uma variedade que se dá muito bem em lugares muito quentes e secos – razão provável do seu sucesso no Priorat.

Os vinhos de garnacha puxam pros aromas de frutas vermelhas mas não tem a cor muito estável, por isso ela é comumente acompanhada pela Cariñena no Priorato, ou a Carignan que a gente conhece da França e especialmente aqui do Chile. É uma especialidade local. Se vc não lembra corre ouvir de novo o episódio 36 – entre vales e vinhedos. Lá eu conto essa história dos vingadores da carignan e da filoxera também.

Cariñena, Carignan

A Carignan é mais punk, mais rustica – e confere uma especie de espinha dorsal – a estrutura – pros vinhos. Os aromas puxam mais pra fruta preta e especiarias. 24% da área plantade é de Carignan, que aqui é também chamada de Samsó. Não é a Cincault francesa, é Samsó.

Então a gente tem, só com essas 2 variedades, 65% de todo o Priorato. E isso tá refletido nas regras da denominação de origem: todas requerem que pelo menos 60% do blend seja de Garnacha e Carignan, sendo as denominações mais prestigiadas exigem ainda mais: pra ser vinhas velhas precisa ter pelo menos 80% e pra ser Gran Vinya Classificada pelo menos 90% – já vou falar mais dessas denominações, guenta aí.A 10% Syrah é a 3a variedade mais plantada, reforçando essa afinidade do Priorat com Rhone.

Outras uvas permitidas

9% CS, 6,46% Merlot, 0,61% Garnacha Peluda, 0,45 CF, 0,35 Tempranillo – Ull de libre, 0,02%  Picapoll negre e 0,01 PN.

E se vc fez as contas, reparou que 92% de toda a uva da região é tinta. Mas tem branco também, que devem ser o ó do borogodó de bom e caro.
Dentre as variedades brancas: Garnacha Blanca 5,08%, Macabeo (Viura) 0,98%, Pedro Ximenes 0,45%, Picapol blanc 0,12% e outros tiquinhos de variedades permitidas.

Vamos às regras de nomenclatura agora

– DOCa Priorat 

– Vino di Villa- Vino de Paraje

O Priorat DOQ é formado em torno de 12 povoados: Bellmunt del Priorat, Gratallops, el Lloar, la Morera de Montsant, Porrera, Poboleda, Scala Dei, Torroja del Priorat, la Vilella Alta e la Vilella Baixa, e as zonas vitivinícolas de Masos de Falset e Solanes del Molar.

– Vino de Paraje DOCa Priorat “Vide Paratge”

O rendimento máximo produtivo deve ser de no máximo 4.000 Kg/ha para variedades tintas e 6.000 Kg/ha para variedades brancas. A composição do vinho tinto deve ter pelo menos 60% de Cariñena e/ou Garnacha.• 90% do vinhedo deve ter pelo menos 15 anos. A idade mínima da vinha dos restantes 10% para a produção destes vinhos é de 5 anos.

– Vino de viña clasificada DOCa Priorat

O rendimento máximo produtivo deve ser no máximo 4.000 Kg/ha para castas tintas e 6.000 Kg/ha para castas brancas • A composição do vinho tinto deve ter um mínimo de 60% Carignan e/ou Garnacha .• 80% da vinha deve ter pelo menos 20 anos. A idade mínima da vinha dos restantes 20% para a produção destes vinhos é de 5 anos.

– Gran vino de viña clasificada DOCa Priorat

O rendimento produtivo deve ser no máximo 3.000 Kg/ha nas variedades tintas e 4.000 Kg/ha nas variedades brancas • A composição do vinho tinto deve ter pelo menos 90% Carignan e/ou Garnacha • 80% da vinha deve ter pelo menos 35 anos. A idade mínima da vinha dos restantes 20% para a produção destes vinhos é de 10 anos.
Grandes vinhos de vinhas classificadas devem ter rastreabilidade comprovada por um mínimo de 5 anos. As vinhas para produção de uvas devem ter sido plantadas antes de 1945 ou há mais de 75 anos.

Viñas Viejas ou “Velles Vinyes”

Uma classificação paralela. 70% dos vinhedos devem ter sido plantados antes de 1945 e 30% com mínimo de 15 anos. As castas devem ser mínimo de 80%  Garnacha e Cariñena.

4 Comments on “SV#130: Priorat

  1. Matéria espetacular, não me lembro de um estudo tão profundo assim sobre o Priorat feito de forma objetiva e clara! Parabéns, Fabiana!

    1. Oi Marcos! Muito obrigada pelo feedback e a mensagem. Até dei uma caprichada no texto, que não estava editado para leitura e era apenas um apoio para a gravação do podcast. Espero que você ouça mais que leia haha. Saúde!

  2. Parabéns pelo seu trabalho! Ótimas matérias. Estou adorando e aprendendo muito sobre Vinhos. Obrigada.

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