SV#02 – Vinificando I – Brancos Jovens

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Nesse primeiro programa da Trilha do Sommelier eu conto como é produzido o vinho branco jovem e sugiro alguns vinhos para você degustar e discutirmos no episódio SV#04, na Confraria. Tintim!

Ver roteiro completo

Olá! Bem-vindos ao SIMPLESVINHO – onde a gente desfruta de toda a complexidade do vinho de forma simples. É quase um bate papo! E hoje o tema é produção de vinho. Eu hoje vou contar como é feito o vinho branco jovem, que é o mais simples de ser feito, e no final vou sugerir alguns vinhos pra nossa confraria.

Entender como é feito um vinho é importante para poder entender melhor o próprio vinho. Lembra que eu disse que para apreciar de verdade uma jogada genial do Messi você tinha que entender a dificuldade da coisa? É isso: é na fabricação do vinho que boa parte da mágica acontece. Comecemos?

O vinho é o produto da fermentação do açúcar contigo na uva, que vai se transformar em álcool. O famoso etanol. Essa reação química também libera gás carbônico – CO2. Se a gente prende esse gás carbônico no vinho, temos o vinho espumante, estilo champanhe, mas se a gente deixar o gás carbônico escapar, temos o vinho comum, ou vinho tranqüilo, que é o nosso tema de hoje. O espumante vai ser assunto pra outro programa.

O vinho tranqüilo pode ser branco, rosado ou tinto, dependendo da cor da uva e do processo de vinificação. Ah, mas então dá pra fazer vinho tinto com uva branca? Não. Mas dá sim, pra fazer vinho branco com uva tinta. São os famosos blanc de noir, branco de negras em francês. São bem comuns em Champanhe na Franca, porque lá só são autorizados 3 tipos de uvas, e dessas 3, 2 são tintas! Quer saber como faz? Já explico, mas deixa eu contar essa história desde o início:

Pulando toda a parte de solo, clima e manejo e vou partir do ponto em que a uva já está na bodega pronta pra ser processada, que é a vinificação propriamente dita. Note que ainda tem muita história em toda essa parte que a gente está pulando hoje! Mas não se preocupe porque a gente vai falar disso ainda!

O primeiro passo é obter o suco da uva. Você pode pisar as uvas, como é feito nas festas tradicionais aí no sul do Brasil. Mas isso é pra turista e pra festa ou talvez algum produtor caseiro. Nas vinícolas são usadas máquinas que prensam as uvas pra extrair o suco. A intensidade dessa pressão já começa a definir como será o vinho a ser produzido: o primeiro caldo, obtido só com a ruptura da casca, sem nenhuma pressão é o melhor. É o chamado suco de gota, free run em inglês, e corresponde a cerca de 65% do total de suco da uva. Com o aumento da pressão, vai-se extraindo novos sucos, cada vez menos nobres, ou seja, de qualidade mais baixa. Esses sucos menos nobres podem ser utilizados depois pra fazer outros derivados de uva ou vinhos de menor qualidade, como o de caixinha por exemplo.

Mas por que é menos nobre esse suco obtido com mais pressão? É porque a pressão extrai substâncias da casca que são desagradáveis ao paladar. A mais importante delas são os taninos. Epa! Mas tanino não é bom para o vinho? Sim e não. O tanino é o responsável, num vinho tinto, por aquela sensação de maciez, sedosa e de consistência na boca… Mas um tanino verde, vai ser duro, agressivo e amarrar a boca. E Além da qualidade, tem a questão da quantidade de taninos no produto final. A qualidade do vinho está sempre ligada ao equilíbrio.

Além do corpo e estrutura, os taninos também são determinantes no potencial de guarda dos vinhos. Um vinho com pouco tanino, muito leve, não pode ser guardado por tanto tempo quanto um vinho mais encorpado. Eu explico melhor isso no programa sobre vinhos de guarda.

Perceba a quantidade de decisões que vão se acumulando – positiva ou negativamente – e que vão ter impacto no produto final: quantos sucos serão extraídos e com que nível de pressão? Quanto desses sucos menos nobres eu vou misturar ao meu vinho de gota ? Nada? Eu vou simplesmente jogar fora 35% do meu suco de uva que poderia virar vinho? São decisões que extrapolam o fator “qualidade do vinho” e chegam até a própria viabilidade comercial do vinho e até da vinícola! Conversando com os produtores, e o Uruguai é um lugar bem legal pra isso, porque você vai visitar uma bodega e é atendido pelo próprio dono, você nota que alguns vinhos são feitos por paixão mesmo. Não é pela grana. Claro, também, que tem de tudo…

Mas voltando pro processo: colhi a uva, obtive o suco, e aí já vem mais decisão (eu prefiro chamar de mágica) do enólogo: além de brincar com os diferentes sucos obtidos a diferentes níveis de pressão, ele vai decidir como será o processo de maceração. Maceração não é coisa exclusiva de vinho, é simplesmente a extração de substâncias presentes em algo através de um solvente. No caso do vinho, a gente quer extrair compostos fenólicos que estão presentes na casca. Nos vinhos brancos, o foco é nos flavonóides, que são relativos a aroma e sabor. No caso do vinho tinto ou do rosado, além dos aromas a gente também vai querer extrair a cor e os taninos da casca e até sementes, que são compostos fenólicos também, chamados antocianinas. Não se assustem com esses nomes: eu só menciono pra que vocês saibam. Esse processo de maceração nos vinhos funciona igual quando se faz chá em casa – todo mundo já fez: você põe o saquinho de chá (ou a folha de hortelã, enfim…) na água quente e deixa lá um tempo. Quanto mais tempo deixar, vai extrair mais substâncias e obter um chá mais forte. Também influi a temperatura: se a água estiver meio morna, essa extração vai ser mais fraca, e se a água estiver muito quente, você pode até queimar a substância que queria extrair e estragar tudo! É o caso do chá verde, que você não pode usar água fervendo nem deixar a infusão mais de 3 minutos.

Com o vinho é a mesma coisa: a maceração no caso do brancos é muito pouca e em frio, para os rosados um pouco mais longa vai aumentando até os tintos. E é assim que a gente faz o blanc de noir, vinho branco de uva tinta: é só não deixar o suco em contato com a casca, porque a cor está na casca, a polpa de quase todas as uvas é igual, meio amarelo esverdeado. Brancos e rosados geralmente maceram por umas poucas horas e tintos ficam por alguns dias.

Outra diferença nos processos é que nos brancos normalmente se extrai o suco sem remover os grãos dos cachos, ao passo que para rosados e tintos, normalmente os cachos são descartados logo no início, numa fase chamada desengaço. Essa diferença é porque esses cabinhos têm taninos verdes e amargos, e a gente não quer que eles passem pro vinho durante a maceração, que pros tintos e rosados é mais longa.

Finalmente chegamos na famosa fermentação. Essa é a fermentação principal, chamada alcoólica, onde ocorre a transformação do açúcar em álcool. O suco extraído da uva – nome técnico é mosto – é posto num tanque para fermentar. Os tanques antigos eram de cimento, como piscinas, os modernos são de aço inox, porque são menos suscetíveis a contaminação, mas agora já tem uma corrente pós moderna voltando pro tanque de cimento, mas é “O” tanque de cimento. A filosofia dessa corrente é muito legal. Não vou falar disso hoje, mas aguarda aí quando eu publicar a entrevista com o enólogo da Agroland, daqui do Uruguai.

Nessa etapa de fermentação também tem mágica do enólogo, esse semideus que na minha opinião a gente até que reverencia pouco, porque esses caras são feras! Nesta etapa o enólogo vai trabalhar com a levedura, que é quem transforma o açúcar em álcool mas também vai influir no sabor do produto final. A gente vem de uma tradição moderna, digamos, de esterilizar o vinho, pra matar as leveduras naturais e adicionar o tipo de levedura desejado. Tem gente que se diz capaz de dizer qual a levedura utilizada no processo apenas provando o vinho! Eu ainda não sei fazer isso, mas eu estou contando isso pra vocês imaginarem a importância da influencia da levedura no produto final. De novo, existe uma filosofia moderna que busca usar as leveduras nativas do próprio vinhedo, e isso traria mais personalidade ao vinho. é o que eles fazem na Agroland. Eu vou contar depois!

O controle da temperatura também é essencial, porque a fermentação libera calor e esse calor pode, além de matar as leveduras e zicar o processo de fermentação, pode matar o vinho, porque destrói os tais compostos fenólicos responsáveis pelo aroma, sabor, acidez… Enfim, tudo isso que a gente curte no vinho.

Gente, tem uma imensidão de coisas que podem dar errado, na fermentação e em todo o processo, desde chuva de granizo antes da colheita até alguma pisada na bola do enólogo mesmo. Talvez a gente aprofunde mais isso em outros programas. Vejam se vocês querem. Eu estou maneirando aqui porque não quero assustar ninguém com coisas muito técnicas, afinal eu prometi que aqui era o SIMPLESVINHO… Mas esse processo todo, até o vinho chegar aí na sua taca, é sensacional. Se você curte vinho, eu acho que vale a pena se profundar…mas não hoje! Me empolguei.

Resumindo então. Esse episódio era sobre vinho branco jovem, e o nosso já está pronto! Colhe a uva, extrai o suco, fermenta e pronto! Tem uns processos de estabilização e limpeza, mas basicamente já pode engarrafar e vender. Simplezinho né? … você já sabe que não é bem assim!

O vinho branco é o primeiro que sai pro mercado, porque o tinto tem que ficar mais tempo macerando, pra extrair justamente a cor e os taninos da casca, mas é coisa de no máximo 1 mês de diferença. Esses vinhos – jovens – são pra consumo rápido, eles não devem e nem podem ser guardados, porque eles não agüentam. Morrem ou estragam. E a tampa de rosca, quem diria, é ideal pra esse tipo de vinho. Melhor que a rolha até, sabia?. Eu explico melhor isso no episódio em que falo sobre os vinhos de guarda, que são aqueles da adega da vovó, cheios de poeira e teias de aranha e que valem uma fortuna. To exagerando. Tem vinho de guarda bem acessível.

A teoria de hoje era essa. Agora vem a parte mais esperada: a dica de vinhos! A nossa primeira confraria será sobre vinhos brancos jovens. Como a gente está começando, eu achei melhor “começar do começo”, com vinhos mais básicos, mais econômicos e que não sejam difíceis de encontrar no Brasil. Eu acho que esse exercício vai ser interessante mesmo para quem já conhece um pouco mais, porque até pros profissionais é legal.

Os dois vinhos de hoje, serão dois varietais, que são aqueles vinhos feitos com uma única variedade de uva: um sauvignon blanc e um torrontés. Dos sauvignons blanc na faixa de 40 reais, os chilenos são imbatíveis. Eu pesquisei no Pão de Açúcar (sempre tem um por perto, não?!) e escolhi o Santa Carolina ou o Santa Rita. Para o torrontés, no Pão de Açúcar só tem o Michel Torino, mas pode ser também o Etchart se você encontrar em outro lugar: tem boa oferta e na mesma faixa de preço.

Comprar vinho em mercado é arriscado, porque cuidar dos vinhos não é o foco dos hipermercados. O ideal é sempre comprar numa loja especializada, porque eles cuidam melhor da guarda. No caso desses vinhos jovens, não tem muito problema porque eles rodam muito rápido, mas a dica é comprar o mais jovem sempre. Idade aqui joga contra. O vinho tem que ser amarelo clarinho. Se estiver amarelo escuro melhor não. Ou compra até pra comparar com o que ele deveria ser de verdade!

Se você não encontrar nenhum desses, compra o que encontrar de mais próximo: mesma uva, mesma região ou país e manda pra mim. Se der tempo, eu já incluo um comentário no podcast da confraria ou mando por email só pra você mesmo.

E para quem estiver animado, pra começar a brincar um pouco com essa coisa de terroir, experimenta comprar também um sauvignon blanc argentino. Particularmente, o Portillo eu acho que tem um aroma muito típico, muito fácil de identificar.

Se você não anotou os nomes dos vinhos não se preocupe, porque no site estão os links para os vinhos e o roteiro completo deste programa: www.simplesvinho.com/podcasts/SV02

E aí, gostou? Tem sugestões? Dúvidas? Escreve pra mim no contato@simplesvinho.com e me ajude a tornar essa experiencia ainda mais interessante para todo mundo!

A música que nos embalou hoje foi, de novo: I won´t dance, com a diva Jane Monheit e o Michael Buble.

E no próximo programa a gente vai aprender a técnica de degustação dos vinhos, pra você já praticar com os vinhos de hoje e depois discutirmos na confraria. Não perca!

Você pode acompanhar os novos programas e posts se registrando aqui no site ou me seguindo no Facebook. Eu sou a Fabiana Knolseisen e vou ficando por aqui com o SIMPLESVINHO. Tintim!

Veja os vinhos sugeridos de hoje:

Um sauvgnon blanc chileno, como o Santa Carolina Sauvignon Blanc » ou Santa Rita Sauvignon Blanc »

Um torrontés argentino:  Etchart Torrontés » ou Michel Torino Torrontés »

E um sauvignon blanc argentino para quem estiver animado a comparar: Portillo Sauvignon Blanc » 

8 Comments on “SV#02 – Vinificando I – Brancos Jovens

    1. Oi João. Obrigada pelo seu feedback e desculpe pelo inconveniente. O pessoal do suporte já está tratando o problema (há mais 6 episódios com esse tal de glitch de sistema e não adianta eu recarregar o áudio – eu tentei…). Enquanto isso você pode ouvir do seu telefone (no meu funciona no Chrome). Também está funcionando no Spotify e nos podcatchers.

  1. Oi bom dia! Estou começando a ouvir as aulas! Parabéns! Estou adorando! Quais os nomes dos vinhos Torrontés?

    1. Oi Roberta! Eu tinha sugerido o Etchart e o Miguel Torino (estão no post do episódio. É só clicar em “Veja os vinhos sugeridos de hoje”). No episódio em que desgutamos (episódio 05) foram o Território, Ominium e San Huberto (estão no post também). Saúde!

      1. Olá! Agora em 2022 descobri seu podcast e tô maratonando. Adoro seu conteúdo, é bastante esclarecedor e os roteiros aqui no site e todo o conteúdo extra dão uma complementada muito legal.

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